Todo ser vivo precisa de um meio para se desenvolver e realizar as funções essenciais para sua existência. Este meio corresponde ao ambiente físico, que vai exercer uma pressão sobre o organismo, de forma que ele deva estar ajustado para viver com o menor custo energético e máximo de eficiência.
Todos sabem que a vida começou na água, provavelmente nos mares primitivos, tendo evoluído em diversas condições até a conquista do ambiente terrestre.
Entre os seres vivos que se adaptaram a vida fora da água, as plantas e muitos vertebrados, tem seus registros fósseis passiveis de serem recuperados, remontando a história evolutiva, porém no que se refere aos invertebrados, ainda há muitas lacunas a serem preenchidas, principalmente as formas de corpo mole, sem uma estrutura esquelética. É sobre os invertebrados que teceremos algumas considerações sobre as adaptações ao meio terrestre.
A vida primitiva originaria na água apresentava uma série de vantagens para o organismo, considerando que aquele ambiente é bem mais estável em termos de constância dos fatores físico e químicos, quando comparado com a água doce e, principalmente o meio terrestre, servindo de suporte para as espécies.
Há uma gradação que aumenta o nível de estresse, quando se sai do ambiente marinho, passando para o dulciaquicola até chegar a terra, quando isto ocorre, temos a “Terrestrealização” termo empregado por Simões, para descrever o processo evolutivo que levou os organismos aquáticos, através de uma série de adaptações e pré-adaptações, a evoluírem para sobreviverem no ambiente terrestre, sem dependência da água (Simões). Mas que adaptações foram estas? Sem dúvida que todas relacionadas com a necessidade de evitar a perda de água por parte dos organismos, principalmente.
A principal delas diz respeito ao isolamento do meio interno para o meio externo, pois antes, o meio circundante não oferecia restrições, agora o animal necessita manter os fluidos corporais estáveis e evitar a perda de água. Isto foi possível com um revestimento externo observado em alguns animais, como a concha dos gastrópodes ou o exoesqueleto dos artrópodes. Geralmente este revestimento é recoberto por uma camada cerosa de lipídios, criando condições hidrofóbicas, de modo a impermeabilizar a superfície corporal.
A presença desse revestimento, que passaremos a chamar cutícula criou uma limitação aos invertebrados que a possuem: o crescimento. Em função disso, uma inovação foi adquirida pelas espécies portadoras de cutícula: o processo de muda ou ecdise.
Outra forma de resolver a questão da perda de água através da superfície corporal, para as espécies desprovidas de uma cutícula, foi a redução do tamanho corporal, como nos platelmintos e muitos asquelmintos, além de adaptações para se camuflar, ficando próximo da cor do ambiente;
Outro aspecto importante nesse processo foi a respiração, que antes era realizada por meio de brânquias, porém este tipo de estrutura que está especializado em retirar o oxigênio da água, necessita de um meio fluido para se manter funcional, o que não ocorre na terra, além disso, a exposição levaria a perda de água pela superfície branquial, exatamente o que um invertebrado terrestre precisa evitar. Logo, a solução foi ocorrer um processo de invaginação, passando a estrutura respiratória a ficar localizada internamente, evitando assim a perda de água e, passando a capturar o oxigênio do ar atmosférico.
As estruturas relacionadas com este tipo de respiração são observadas nos insetos – traquéias e nos quelicerados – pulmão foliáceos. Alguns grupos, pelo tipo de ambiente vivente e tamanho corporal, podem carecer de uma estrutura especializada, funcionando a própria pele para as trocas gasosas, por meio de uma respiração cutânea, mas para isto, há necessidade da epiderme ser lisa e glandular e o invertebrado vivem em áreas úmidas.
Outro tipo de estrutura que evoluiu para as trocas áereas foi a cavidade palial dos gastrópodes que passaram a viver na terra, formando assim, um pseudopulmão.
Além da respiração, outro processo que requer água é a excreção dos animais aquáticos, pois geralmente é liberado em maior proporção amônia, um composto solúvel em água. Para resolver este problema, os animais terrestres mudaram o produto final da excreção, passando a liberar outros tipos de base nitrogenada que não requeresse tanta água, como o ácido úrico e a guanina.
Aspecto relevante diz respeito a reprodução, que ocorria diretamente no meio externo, sem necessidade muitas vezes de acasalamento. Agora, visando garantir a perpetuação das espécies, o processo reprodutivo passou a ser mais complexo, envolvendo transferência direta ou indireta de material espermático, ocorrendo geralmente a fecundação interna e a supressão do estágio larval.
As espécies de invertebrados terrestres são influenciadas positiva e negativamente pela ação dos fatores climáticos, levando a condicionar padrões de comportamento como estratégias para sobreviver ao ambiente terrestre. Além das adaptações para conquistar o meio terrestre, muitas espécies de invertebrados vivem em áreas onde as condições ambientais flutuam, sendo necessário adquirir estratégias que possibilite sua sobrevivência, é o caso das áreas alagáveis, como a Amazônia (ADIS, 1997), onde os invertebrados são terrícolas ou arborícolas, realizando migrações durante os períodos de cheia dos rios.
Esta necessidade de se ajustar ao ambiente, fez com que algumas espécies, criassem aspectos próprios, alterando muitas vezes o “bauplan” (BRUSCA E BRUSCA, 2007), primário do grupo, sendo estas características transmitidas a descendência, fazendo com que suas espécies adaptadas sobrevivem.
Na natureza é possível encontrar formas de animais que possuem um padrão distinto, favorecendo traçar um plano corporal, através de um sistema de eixos imaginários, sendo este plano denominado de simetria. Algumas espécies não possuem este padrão, sendo ditas assimétricas. A maior parte das espécies que compõem o reino animal possui uma simetria bilateral, sendo chamado em conjunto de bilatéria.
Este plano corporal provavelmente surgiu a milhões de anos, durante a explosão do cambriano, entre 600 a 550 m.a, pois vestígios de fósseis daquela época já apontavam organismos com este padrão, sendo denominados de urbilatéreo, com características próximas dos animais bilaterais atuais.
Este padrão favoreceu a diversidade de formas vivas, liberando de uma existência séssil, passando os animais a poder explorar outros ambientes, influenciando diretamente na morfologia e na forma de vida.
Aspecto mais característico dos animais é a capacidade de movimentação ou motilidade, sendo uma conseqüência direta do padrão simétrico, podendo relacionar da seguinte forma: simetria bilateral corresponde a maior motilidade; já a simetria radial ou ausente, os organismos tendem a ser sésseis ou sedentários. Isto ocorre porque há uma tendência para o processo de cefalização, antes as células nervosas eram dispersas, agora passam a se concentrar na região anterior, contribuindo para uma maior percepção ambiental e coordenação nervosa e muscular.
A aquisição da simetria bilateral conferiu aos animais um nível de organização do sistema digestivo em um trato praticamente retilíneo, com uma abertura anterior e outra posterior, de forma que o caminho do alimento se faz num único sentido, gerando um sistema digestório completo na maioria das vezes.
Os organismos bilateriais possuem duas grandes linhas evolutivas distintas, todos com um arranjo de sinalização intracelular e genes Homeobox homólogos, forma larval primária, divergindo apenas no desenvolvimento embrionário, onde é possível observar os protostômios e os deuterostômios.
O primeiro grupo, o blastóporo origina a boca e, possuem como conjunto comum, geralmente, as seguintes características: larva livre do tipo trocófora; cefalização, com sistema nervoso ventral e cordões nervosos; o sistema nervoso anterior circunda o trato digestório.
Uma outra característica relevante, diz respeito a formação de compartimentos. Os primeiros bilatérias são ditos acelomados, representados pelos platelmintos, a partir daí, surge com menor ou maior grau de especializações, unidades especializadas e preenchidas com líquido, geralmente, onde repousa os órgãos.
No segundo grupo, o blastóporo irá originar o ânus. Os animais pertencentes a este seguimento evolutivo, o sistema nervoso é dorsal e, o sistema coletor de alimento apresenta células monociliadas. Deste grupo, temos uma exceção quanto a bilateralidade, são os equinodermatas, que são animais de simetria radial. Durante muito tempo isto foi um problema para ser explicado, porém ao se observar os estágios larvais das diversas classes que compõem este filo se verificaram que a condição primária era bilateral.
O filo dos moluscos é o segundo maior grupo animal, com um número próximo de 100.000 espécies entre formas vivas e amplo registro fóssil desde o Cambriano. É um importante filo na linha evolutiva dos invertebrados protostômios. Os moluscos têm larga distribuição espacial e temporal, com numerosas espécies e abundantes como indivíduos (biomassa) de grande importância ecológica
São animais de corpo mole, triblásticos, celomados, protostômios, de simetria bilateral, não segmentados em sua maior parte, apenas uma classe é segmentada – Monoplacophora, divergindo do padrão ametamérico guardado pelos demais moluscos.
As espécies que compõem o filo molusca estão distribuídas por todos os ambientes, apresentando uma vasta gama de adaptações a diferentes modos de vida bastante variáveis, refletindo o seu sucesso evolutivo, que possibilitou estes animais a irradiarem para ambiente diversificados.
Em relação aos ambientes, encontramos no meio marinho todos os representantes, sendo que, os cefalópodes, os escafópodes, os poliplacófora, os aplacófora e os monoplacófora são exclusivamente marinhos; já os bivalves e gastrópodes são predominantemente marinhos, porém podem ter representantes em água doce e, no último caso, os gastrópodes evoluíram também para o ambiente terrestre.
A diversidade de formas e tamanho é incrível entre esse grupo, existindo espécimes adultos microscópicos (microgastrópodes por exemplo) até formas gigantes como a lula do gênero Architeuthes e o bivalves do gênero Tridacna. Contudo, todos os moluscos guardam um padrão estrutural que acompanha o seguinte esquema: cabeça, pé, massa visceral.
Nas principais classes e dependendo do modo de vida, este padrão sofreu algumas alterações, em relação a este modelo hipotético (MAH), conforme descrito abaixo.
Na Classe Gastrópode a cabeça se torna bem desenvolvida, com estruturas sensoriais (olhos, tentáculos); o pé ventral primitivo, em forma de sola é conservado; a massa visceral encontra-se acima do pé, sendo geralmente recoberta por uma concha composta de uma peça única (univalva), podendo ser interna ou externa ou ainda, não existir
A Classe Bivalvia sofreu uma alteração mais radical no padrão estrutural, passando a ter o corpo lateralmente comprimido, com a cabeça reduzida, de forma inconspícua, sem apêndices sensoriais, sem rádula; o pé está lateralmente comprimido e dirigido para a frente sendo a musculatura bastante desenvolvida na maioria que é escavadora. A massa visceral e demais partes agora ficam resguardadas por uma concha externa composta de duas valvas articuladas dorsalmente.Estas alterações afetaram a vida dos bivalves, possibilitando adaptações ao hábito sedentário na maioria das espécies, se enterrando em substratos macios.
A Classe Scaphopoda apesar de ter hábito infaunal como os bivalves, adotaram um outro padrão. A concha é cilíndrica, afunilada lembrando a presa de um elefante. O corpo acompanha o formato da concha, sendo alongado, com a cabeça inconspícua e o pé reduzido.
Os Cephalopoda representam o grupo mais especializado dos moluscos. A cabeça altamente desenvolvida, portando olhos grandes e com uma estrutura ocular similar a de mamíferos, salvo nos Nautilus, onde o cristalino está ausente; a massa visceral pode se projetar da cabeça ou ser alongada, estando os pés modificados em nadadeiras (lulas), tentáculos e sifão. Nesse grupo há uma tendência a redução e internalização da concha ou mesmo sua ausência. A presença de uma concha verdadeira só é observada na ordem mais primitiva que comporta os nautiloideias.
Os Monoplacophora durante muito tempo foram tidos como formas fósseis, até que foi coligido na década de 30 espécimes com as partes moles, sendo possível evidenciar o corpo segmentado e as estruturas pareadas. São de tamanho diminuto, não excedendo 4 cm. Possuem uma concha univalve, em forma de capuz, que cobre toda a massa visceral.
A Classe Polyplacophora é diversa em nível de organização dos demais moluscos, apresentando apenas o pé tipicamente em forma de sola, mas a cabeça não é evidente e há ausência de olhos. O corpo é achatado dorsoventralmente e possui forma elíptica, sendo cintado. Dorsalmente é possível encontrar 8 placas que constitui a concha desses animais.
A Classe mais primitiva corresponde aos Aplacophora, ou seja, aos moluscos totalmente desprovidos de concha em sua existência. São de corpo vermiforme e não seguem o padrão do filo.
A concha por sua vez, é resultado do processo de secreção de um tecido muscular-glandular, denominado manto ou palio. A concha é tipicamente formada por carbonato de cálcio, sendo estruturada em três camadas. As cores e ornamentações são as mais diversificadas possíveis, estando segundo Brusca e Brusca (2007) em alguns casos, relacionado com o modo de vida e ambiente.
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Apesar dessa diversidade de forma e adaptações, a organização funcional segue praticamente o mesmo padrão nos moluscos, com pequenas variações.
Ruppert e Barnnes (1996) e Purves et al (2006) consideram os quelicerados com 3 Classes distintas: Pycnogonida, Merostomata e Arachnida. Mesmo assim, os primeiros autores consideram os quelicerados como um subfilo e os outros autores, trazem os quelicerados para o status de filo. Na publicação de Brusca e Brusca (2007) o status de subfilo é mantido, porém com a denominação de Cheliceriformes e, os quelicerados passam a figurar como uma classe, onde estão inclusa as subclasses merostomata e arachnida e, as aranhas do mar continuam compondo a Classe Pycnogonida Portanto com um arranjo taxonômico diferenciado.
O que uni a diversidade de quelicerados, fora aquelas características compartilhadas por todos os artrópodes, como simetria bilateral, segmentação, celoma, triploblástico, protostômios, apêndices articulados e presença de exoesqueleto, diz respeito ao arranjo do corpo, individualizando o subfilo dos demais artrópodes.
A cabeça dos quelicerados está completamente fundida ao tórax, agora denominado de prossoma, sendo constituído por 6 somitos, além do ácron pré-segmentar. Geralmente esta região é recoberta por uma carapaça. É possível observar a presença de olhos simples (medianos) e olhos compostos nas laterais.
Há ausência de antenas e mandíbulas, com o corpo dividido em 2 tagmas (prossoma e opistossoma), contendo apêndices multisegmentados e unirremes apenas nos segmentos torácicos, em número de 6 pares, sendo o primeiro par formado pelas quelíceras e o segunda por representado pelos pedipalpos. Os demais pares de apêndices são patas ambulacrais.
As quelíceras são utilizadas na alimentação, geralmente possuem pinças nas extremidades ou glândula peçonhenta e uma garra terminal nas aranhas; já os pedipalpos são apêndices empregados no processo de captura e alimentação pela maioria dos quelicerados, podendo eventualmente ser usado para ataque e defesa. Em algumas espécies, ele é modificado durante a época reprodutiva, apresentando uma espécie de bulbo que auxilia na transferência do espermatóforo.
O opistossoma é formado por 12 segmentos, podendo ser dividido em mesossoma e metassoma, como nos escorpiões, além de apresentar um telson terminal. A maioria dos aracnídeos além dos escorpiões, essas duas subdivisões não são evidentes, e os segmentos comumente encontram-se fundidos. Portanto é desprovido de qualquer tipo de apêndice locomotor, existindo nas aranhas estruturadas denominadas de fiandeiras, responsável pela liberação da seda que formará a teia e, nos escorpiões, é encontrado estruturas sensitivas denominadas de pentes.
Sistema Digestório Completo, com hábito alimentar carnívoro; digestão parcialmente extra-corporal, onde o aracnídeos geralmente introduz o veneno em sua presa através das queliceras conectadas a glândulas de venenos (aranhas) ou com o bulbo que se forma na parte final do telson (escorpiões). A presa é parcialmente digerida com as enzimas que são lançadas e, o alimento fluido é sugado através da boca por uma faringe muscular, passando ao esôfago e chegando ao intestino ou mesêntero, que se localiza ao longo do corpo, tendo a parte terminal esclerosada, conectando-se com o ânus.
Sistema Respiratório: estrutura característica são os pulmões foliáceos; além deles podem existir também traquéias. Algumas espécies utilizam ambas as estruturas no processo de respiração. Os pulmões foliáceos são estruturas típicas dos quelicerados aracnídeos, Surgi como processo de invaginação do tegumento, possivelmente tendo evoluído a partir das brânquias laminares. Formam um bolso esclerosado de cada lado do corpo, formando lamelas separadas por barras. As trocas ocorrem por difusão do ar que circula entre as lamelas e o sangue que circula internamente nas lamelas. O lado não pregueado do bolso forma um espaço por onde o ar circula e é lançado para o meio externo através de espetáculos.
Sistema Circulatório Aberto: o coração resulta de dilatações do vaso principal – aorta; a hemolinfa circula por esse vaso e por espaço abertos, denominados de hemocelos.
Sistema Excretor: segue o mesmo padrão dos artrópodes, que corresponde a um saco de fundo cego e túbulos, onde ocorre a filtração e liberação através de poros localizados na base da coxas (glândulas coxais); além delas, pode ocorrer também túbulos de Malpighi. Como forma de adaptação para evitar a perda de água, o produto nitrogenado resultando da excreção corresponde principalmente a guanina, que é insolúvel em água, requerendo uma quantidade mínima para a excreção. O principal produto da excreção corresponde a guanina, como forma de adaptação ao meio terrestre, uma vez que é insolúvel em água.
Sistema nervoso é concentrado na região anterior e do tipo ganglionar, formando um protocérebro e um tritocérebro. Há uma tendência dos gânglios migrarem do tórax e do abdômen, formando uma espécie de anel subesofágico, de onde parte um cordão nervoso ventral para os apêndices e um feixe para o abdômen.
Segundo Brusca e Brusca (2007) este é o Bauplan de todos os quelicerados. A partir deles, teremos uma diversificação e, no caso dos aracnídeos, há várias adaptações para a vida no meio terrestre.
Atendendo a solicitação de colegas de trabalho, alunos e pessoas interessadas em Zoologia resolvi criar este Blog para trocar experiências e difundir informações sobre a pesquisa e ensino em Zoologia.
Cláudia Valéria da Silva
Biológa especializada em Aquicultura e Mestre em Biologia Animal. Atuando em Zoologia, Ecologia, Educação Ambiental, Biogeografia e Metodologia Científica.